percepção

oiço o tempo gotejar
como uma ponteira molhada de vidro
que reflecte os azuis do céu
e a sua própria imitação do brilho.
continuo a sentir e a pensar
que não digo o quanto devo,
que não sinto quando devo,
que não me exprimo como devo,
que não ajo como sinto.
parece haver um linha, uma portada,
uma janela, uma cancela, uma cortina
que dá diferentes sentidos
ao que penso, ao que sinto,
ao que vejo, ao que digo.
e por mais estranho que pareça
é que o que me fez dar valor à vida
já passou por aquela porta
pois para lá da diferença
e da cortina de cetim
jaz... e não digo a palavra
para que continues viva em mim

In... ês

há alturas em que o silêncio
que discorre nas palavras
mais não discerne o que no sentimento
limita o som das mesmas.
e uma verdade é universal:
só sentimos a verdadeira falta
quando não lhes podemos tocar
... ou então é apenas sentimento de culpa
e qualquer pretexto serve de desculpa
para olhar para trás e pensar
o quão mais poderia ter sido dito
e contudo não o foi!
tivemos o nosso tempo,
durou o tempo exacto
para não nos esquecermos
que os amigos se cativam
mais com palavras e gestos
do que com o próprio tempo

...miss you my friend...

lampejo

atraso uns segundos
apenas uns instantes
o abraço há muito esperado
e adormeço logo antes.
um flash, como um relâmpago,
um lampejo, um clarão,
que no seu âmago
sofre com a escuridão.
e acordando de dia
sob o eclipse solar
olha de forma fugaz, fugidia,
para a luz que se escapa
sob as encostas escarpadas
de uma alma encoberta
por pó e teias de aranha
mas sempre com a porta aberta
para quem queira entrar
e aproveitando
para fazer corrente de ar

estrelas nos olhos

olho as estrelas e penso
penso em ti, em nós,
nos passos que tento
e nos soluços na voz

oiço o som dos passos
que dou vacilando
e tombo para os lados
enquanto me levanto

destrono o sono pelo querer
reivindico o meu direito
levanto-me para poder ver
onde repasta o calmo leito

e ao ver tudo isto
reforço numa ideia:
só sentido o que é visto
é que se constrói sobre a areia