quarta-feira, agosto 23, 2006

um estado de alma à frente


pintado a lágrimas de tinta
tingidas de devaneios ilusórios
como quem segura as calças
com bonitos suspensórios

neste fingimento irreal
a direcção é disléxica,
orientada por um ponto boreal
com uma reacção alérgica

compenetrado na lavoura
como quem subsiste
deita-se na manjedoura
e queixa-se como um contribuinte

dêem-me um chá forte
pode ser com cianeto.
não há? botem cicuta.
e que tal bicarboneto?

objectivo


perscrutando o prescrever do tempo,
enquanto espero que partas,
advindo do silêncio longínquo
oiço o desfalecer do castelo de cartas.
escutando, cada vez mais perto,
oiço o silêncio e o vazio,
as cores esbatem perdendo o sentido
como uma chama sem pavio.
a cabeça ecoa tentando-se silenciar
e o sentido deixa de ser salutar
como num papagaio de papel
ao qual se solta o cordel.
e o papagaio “voa” livre
ao sabor do vento ou da brisa
sem vontade ou paixão.
com um rumo, um destino
ainda que incerto,
pelo menos tem destino.
será ele um objectivo?
ter um objectivo absurdo,
por mais absurdo que se possa imaginar
é melhor que ter objectivo nenhum.
avançar ou estagnar?

alegoria do tempo


dividido num mar de ansiedade
atribulado pelo turbilhão
separado pela saudade.
presenteio o tempo em vão
com um retrocesso ao futuro
dos que o deixaram no passado.
o que está para lá do muro
apenas espera os arrojados,
ou as ideias que têm consigo.
quer queiramos, quer não
um dia o tempo será nosso amigo
e dar-nos-á a sua mão.
ajudar-nos-á a tomar impulso
para sair da agonia, do degredo,
da alegoria, do silêncio, do segredo,
de encontro ao outro lado do medo...

apetece-me, ou não!


Apetece-me chorar
Não me apetece corrigir
Não me apetece pontuar
Não me apetece insistir
Não me apetece ter vontade
Não me apetece nada
Não me apetece, de verdade
Não me apetece uma vergastada
Assim como não me apetece ser beijado
Assim como não me apetece apetecer
Assim como não me apetece ser ignorado
Só me apetece ser mimado
Sem ter de dizer uma palavra
Nem ouvi-la tampouco
O silêncio paga-se
A palavra apaga-se

conturbado


sinto-me satisfeito,
não pelo facto de acabar algo
mas por tê-lo conseguido começar.
sabendo que para chegar ao destino
o primeiro passo tenho de dar
olho-me e vejo-me quando menino
o medo surgia atrás de cada pedra,
de cada ramo, de cada sombra, a espreitar.
num anterior estado de alma
dei um passo em frente.
caí. levantei-me.
não foi um desvio,
foi uma forma de aprender
o copo não está meio vazio,
está apenas meio cheio.

segunda-feira, agosto 21, 2006

sonâmbulo


vejo o Homem que passeia,
ao lado do que sonâmbulo vagueia,
que contorna a esquina meretriz
em busca dos prazeres de petiz

embora a idade seja estatuto
o semblante denuncia-o astuto
não perdendo tempo, com reparos
nem ganhando, com elogios raros

lisonjas estivais
vão-se e vêem como as demais,
perdidas pelo tempo cruel
num incólume pedaço de papel

e de pinceladas de história
as estórias são narradas,
são pedaços da memória...

narradas ou contadas?
o que importa, se esta já acabou
e se mantém inacabada?

indecoro


Sentindo a pacificação dos corpos,
torpes, numa busca incessante
de prazeres carnais, indecorosos,
a quem nem o pudor é intrigante,
não assusta nem ameaça o sentir
Obscenos e despreocupados
procuram os limites que ultrapassam
o quase chegar, o quase ir
o quase voltar, o quase vir
e tantos outros “quases” que
quase nos escapam,
mas nunca ficam
e faltam-nos na boca
como água ou como pão,
como se de um manjar se tratasse
como se da vida dependesse
o que dois corpos celestes
entrosados no infinito
e despertos pelo destino
de um qualquer menino
que despreocupadamente
acordou e sem sonhos
sonhou

quinta-feira, agosto 17, 2006

a [nossa] beleza está nos olhos dos outros


vejo-me como Dorian Gray
não perfeito, belo ou narcisista
vejo-me egoisticamente egoísta
mantendo a jovialidade que herdei

não importa os traços da face
ou a envolvente flacidez,
mantenho a jovial lucidez
do tempo que passou sem desgaste

vejo um quadro... contemplo
está em branco, mas não me afecta
vou dar-lhe vida com pinceladas sem talento
mas com uma vontade de poeta

e ao pintar o que não enxergo
há algo pelo que me ergo
a beleza que emanamos
está nos olhos de quem gostamos

evoluí(n)do


vejo o regato que corre ao contrário
e, inevitavelmente, paro para ver.
não é um espectáculo, pelo contrário
é apenas uma forma de se dar a conhecer

não que seja diferente,
apenas não tem iguais,
tem uma forma coerente
de se diferenciar dos demais

a diferenciação não mais é
que uma forma de marketing
não importa se falam mal ou bem
mas falem, mesmo que com desdém

e assim conhecemos um regato
que não quer ser rio,
segue o ser percurso, pacato
como quem se conhece, de fio a pavio

quarta-feira, agosto 16, 2006

manus dei


se eu ficar, fico
se for, vou
sou apenas um cisco
que como uma semente, voou

tristeza, talvez...
angústia? são sei
despeço-me de vez,
porquê? manus dei

sigo o destino traçado,
não o contrario
vou desanimado
vogando ao sabor do rio

é mesmo uma maneira de sentir,
escrever o que se pretende inferir,
acreditando mais que piamente
que este sentir é mesmo deprimente

desculpa


na mensagem menti-te, desculpa.
não consigo estar contigo sem pensar em nós
sim, é minha a culpa
por não saber navegar só

não fui feito para grandes feitos ou palavras,
não fui feito para nós, ou para ti.
vou deixar o tempo e largar as armas
AGORA!... agora que parti

Volto, mas não para ti ou alguém
volto pois há quem me queira bem
volto para voltar a abalar
e volto com o intuito de regressar

aqui
acabou
o antigo eu
que ainda sou

tu, outra vez


sei que quero escrever sobre ti
só não sei o que escrever,
descrever? já te descrevi
que me faltará dizer?

que recantos da alma
se escondem e encobrem
o que esta aparente calma
cala, censura e põe em ordem

que me resta esperar
se mesmo na tua apatia te chamo?
não te quero por te amar
mas porque sem ti não amo

e assim definho até um dia
em que a ténue esperança luzidia
me consuma num pranto
e me deixe num mágico encanto

domingo, agosto 13, 2006

uno


como um filho que vai crescendo
eu vou vendo o que temos em comum,
vou também crescendo e apreendendo
pois com ele, sou um

na escrita de palavras vãs
soltas, ariscas, cortesãs
nada espero encontrar
a não ser uma ideia a regurgitar

estou a escrever...
abstraído da realidade
etérea, efémera,
difusa, abstracta,
displicente, inexacta

abraço


abraço a terra, as galáxias, o universo
abraço o efémero, o contínuo, a Deus
abraço o infinito e o seu reverso
abraço a vida, e digo-lhe adeus

quero despedir-me para a reencontrar
não quero perder tempo com saudade ou mágoa
não quero nada que a possa recordar,
pois se tal acontecer, apago-a

desenlace imperfeito, quiçá inoportuno
desprendido do efémero terreno
prendido ao ser uno,
leve, solto vadio e sereno

e assim sossega a mente
que desatentamente atenta,
como uma palavra, pensa em somente
perder-se numa sebenta

olhar-te


abro a mão e olho a palma
distendo os braços, abraço o sol
sinto uma leve brisa na alma
que por momentos me consome
me seduz e afaga o ser,
como o vento que sinto a soprar
que me refresca o coração
permitindo-me continuar

e por um breve instante
sinto-me contente, radiante,
pois a luz do sol, brilhante,
deixa-me caiar, expectante,
como quem espera pela alvorada
para encontrar uma quimera
que há muito desespera
por ser encontrada

e pela indefinição sentida
sinto a emoção contida
que muda de cor, como camaleão
que mexe com este brinquedo
que se chama coração

vogo


mostrem-me o lado humano das pessoas
mostrem, apenas o quero ver, sentir.
sabes quando sentes que destoas?
saber que existe não chega, para sorrir

se bem que sejamos únicos em nós
temos muitas parecenças,
gostaria de navegar numa casca de noz
aprendendo com as nossas diferenças

se o tempo ajudar, aprendo
se não ajudar, aprendo mais
se não conseguir vogar, não me arrependo
vou de bicicleta, dou aos pedais

e vogando com saudades de casa
com o horizonte como destino,
sigo a carta planeada
ao encontro do infinito

quarta-feira, agosto 09, 2006

diário de bordo


começa hoje mais um dia.
como será descrever o que acontecerá?
como será transpor a fantasia
e pensar que se realizará?

escrevo breves palavras.
não quero esperar demais,
ténues, concisas, palavras
para o inexplicável, decifrar

parece que tendo a exasperar
não compreendo o que me exalta
tenho tudo para me regozijar
e é o supérfluo que me falta

redijo uma lauda da minha existência
esperando em vão, ou talvez não,
que se realize uma demência
relatada como acontecimento vão

obstáculo


não me consigo exprimir,
falta-me arte, engenho,
lucidez, destreza, tamanho,
sinto-me um anão a explodir

sinto um raio que me trespassa,
como depois da piela , vem a ressaca
eu venho depois de tudo
e antes de nada

e sou uma barreira, um açude
e não consigo controlar a onda
em toda a sua magnitude
nem a multidão que me ronda

o que envolve o céu, a luz, o breu
envolve algo pequeno também.
sou uma rolha que se esqueceu
a obstruir a esperança de alguém

terça-feira, agosto 08, 2006

estou aqui!


nada me atrai,
nada me faz desejar,
o pensamento voa e sai
da órbita do pensar

estou só, estou...
rodeado por toda a gente, enfim
parece que o mundo parou
e todos olham para mim

qual o próximo passo?
qual o conselho seguinte?
que é que da minha vida faço?
respondam, sou bom ouvinte!

preciso gritar?
levem-me a sério,
quero mudar
eu não sou etéreo!

eu não sei

...e eu não sei,
não sei mesmo,
não sei se cem
são um cento

sinto-me
um não sei quê,
que arde não sei como
e queima... não sei porquê

não é fogo que arde sem se ver
é mais um ácido que corrói
que por onde passa destrói
e desatina o enfermo ser

não sabendo quem sou
tampouco, para onde abalar
faço como a paramécia e vou
até um obstáculo que me faça virar

domingo, agosto 06, 2006

[des]aparece


pára de aparecer na minha vida
se não for para ficar
desaparece, vai de sumida,
não me deixes a imaginar

se queres voltar, volta,
mas assume[-me] e permanece.
o que me enlouquece
é o sentimento de revolta

és a última pessoa que vejo
e a primeira também
contudo quando me deito
sonho com o teu desdém

é o infinito consolo que passa
de poder contigo sonhar
como quem passa com borracha
depois de um borrão pintar

hífen


nasço, cresço, cogito,
reproduzo [ideias] e morro.

há momentos em que
- um não sei quê que -
nasce
- não sei de onde, como -
uma ideia que
- irrealmente real -
toca o mundo
- fá-lo rodar -
e gira sobre si própria
- rodando também -
em sintonia
- despertando mentes claustrofóbicas -
sem o saber
- ficando “egofóricas” -
com prazer

é destas que sinto medo
não pelo medo do degredo
mas por em segredo
viver sem ter de ter medo

é apenas o caminho
pela profundeza da tristeza
em direcção a um rio
que lava a mágoa e a incerteza

sugestão


Procuro a inevitabilidade de me sentir perto,
ainda que longe.
Procuro na ausência do teu olhar
a permanência do teu sorriso
e a consequência dessa dicotomia é o que anseio.
Não carece ser perene, basta que seja intensa.
Mesmo volátil, fica o consolo de ter vivido...
mesmo que por um breve momento.

E embalado na música,
pontuando, numa discreta intromissão
o que escrevo, sem sentido,
como o som que falha na audição.
E perdido continuo a embalar um sonho
há muito acordado pela realidade,
pela fraude de anuir sentir
o que não sinto
e como tal, [me] minto.

O medo de não sentir
não me deixa sentir sequer
e o sonho assim se esvai
como areia que passa,
por entre os dedos,
como a água que escorre,
por entre os dedos,
como o amor que se esvai
por entre os medos
como tu que foges,
por entre [os meus] segredos.

A ideia é como terra estéril
a sugestão torna-se débil
falta sentir o desabrochar
para o sentir poder adejar

sexta-feira, agosto 04, 2006

sentou-se


despido de medos e preconceitos
perco-me alheado do alheio
desperto para ver se o correio
chega com notícas de históricos feitos

sonho um dia em tais demandas estar
uma estória feita história
ou uma história de estórias
mal contada ou de encantar

e o meu lugar no mundo é mensurável
pela dimensão de uma palpitação
e sentir o eu presente e inolvidável
no bater de um coração

e a criança que renasce
perde-se onde se ache
que o tempo parou
e aí se sentou

engano


estou intrigado. é intrigante.
vejo o mundo a rodar ao contrário
como uma roda que segue errante
que começa pelo fim o abecedário

como quem quer enganar o itinerário
viajando do lado do tempo
a par com o destino contestatário
vou sentado no som do vento

quem sabe ler, saberá sentir?
qual o sentido de só ler o que se descreve
se nas entrelinhas se prescreve
como numa receita, um caminho a seguir

sem rima, métrica ou sentido aparente
sai mais uma fornada, fresquinha
de ideias quentes a latejar, latentes
sem forma, forma, cheiro ou sabor

quinta-feira, agosto 03, 2006

fazia-se cá ski


decididamente que não sei
que farei aqui sentado?
será que pó serei?
que será de mim, prostrado?

que realidade atroz
pareço perdido
como uma casquinha de nós
num oceano, fugindo

desperdiçando o tempo aqui
a ouvir o passar do tempo
sentado a pensar em ti
e no como me desalento

e se cá nevasse?
sei lá eu!
talvez me enervasse
e fugisse para o céu

perdidos já se encontraram (por) aqui
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