Leonor

Leonor
escrito no céu
com espuma de mar
sob um véu
de estrelas a cintilar

"leo", de leão
"nor" de norte
como que uma ilusão
surge e segue a sorte

Levanta-te... suavemente
Ergue-te... devagarinho
Olha... lentamente
Navega... para um cantinho
Ouve... em silêncio (shhh)
Respira... Lisboa
e voa

chegas perto da lua
sorris e beijas o luar
olhas a terra nua
e mergulhas no seu mar

Parabéns Ninor :)

deixem-me

procuro quem escuto
enquanto bebo um café
com um toque de bismuto
e fumo um cigarro, em pé.
apenas um pormenor
contudo, aí reside a disparidade
desprendo-me do meu redor
prostrado perante a idade
e não sei para onde sigo
não sei onde estou
não sei qual o castigo
muito menos se estou vivo.
deixem-me morrer
mas deixem-me em paz
deixem-me algures lá atrás
deixem-me ao largo
deixem-me no cais
deixem-me num qualquer lago
deixem-me sorrir
deixem-me cantar
deixe-me cair
deixem-me voar

vertigem

desperto com o sabor a mar
que trazes na boca molhada
inebrias-me de prazer com o olhar
e fazes-me saltar, com uma palmada

rimos, dançamos, e ... bem
sorrimos para a vida
e olhamos com desdém
para as persianas corridas

entra o sol, a areia, o vento,
entram as palavras com olhares invejosos
saem sorrisos, gemidos lentos
saem emoções de contornos luminosos

e abraçados por fim,
que mais não é que o início,
mergulhamos no mar sem fim
de encontro ao precipício

movimento

enquanto contemplo as atrocidades
apenas narradas por boca
que se perdem em vaidades
numa bala de sabão louca

culpe-se a sociedade, a obesidade,
mas a culpa é nossa, de nós
não é da intrínseca necessidade
nem dos nossos pais ou avós

que fez Plutão para o porem de parte?
saiu do grupo dos planetas
terá tido uma doença? enfarte?
ter-se-ão tornado forretas?

lá continuará com o seu movimento
em torno do sol - translação
e em cada momento
em torno de si - rotação

o dia

a luz cobre todo o vale
o sol impõe-se sobre o terreno
debaixo de uma árvore
deito-me à sombra, sereno

contemplo as crianças que passam,
as vacas a pastar,
os pastores a jogar às cartas,
os moços a brincar

os velhos jogam à malha,
as senhoras fazem renda,
as meninas, fazem o que calha,
e cai a noite, como uma prenda

oh calma, oh regozijo
acedem-se as luzes do relvado
há futebol, ao vivo!
solteiros, contra casados

e que belo jogo aconteceu
um parti a perna
outro magoou o xifoideu
acabou o jogo... ninguém morreu

que belo desenlace
o jogo deu-se por terminado
num empate sadio
sem golos sofridos
e com zero marcados!

nuvem

lá alto céu voa
uma nuvem bem branquinha
ao lado, um motor ressoa
e por baixo, sai o fumo duma casinha

neotérica e tiflótica
não enxerga a cor ou contorno
tem uma pequena dificuldade óptica
mas sente que é hora do retorno

sabe para onde tem de ir
mas não para onde vai
quando cai, levanta-se para voltar a cair
mas enquanto cai e não cai
a vida vai e não vai

ao passar o tempo, a idade
perscruta dentro de si
ouve a sua intimidade
e redescobre a identidade

assaz

apertado no sentir da sua própria estória
que nada de romântica, singela ou doce tem
sente uma comoção, como que uma vitória,
que se sente por detrás do que não vive sem.
e embora o sentido falhe, como água para a boca,
sente-se, no fundo, nas duras palavras que diz
uma doçura melancólica na palavra rouca
que soa, ecoa, da sua boca regada a anis.
ouvem-se os murmúrios das alcoviteiras,
sente-se o respirar pesado no ermo estreito,
tocam-se os frutos doces das nespereiras,
saboreiam-se alguns, bem, muitos, a eito,
vê-se a floresta, vazia como uma testa
pressente-se a mordaz pantomima
que corre como um leopardo fugaz
em busca de quem, lá no alto, jaz

estéril

sinto um orgasmo frio
que me percorre a libido
como um calafrio
de desejo frigido

sinto no entanto desejo
e sentir algo, mesmo que pouco,
é melhor que sentir sem ensejo
um nada estéril e louco

talvez seja um desejo fútil
onde a criatividade seja inútil
mas existe algo, existe em mim
e eu existo, vago, com um fim

enquanto houver ventos
enquanto a maresia acalmar
enquanto saírem acentos
as palavras irão soar

sentido

definindo novos ideais
com curvas singulares,
rectas plurais
e estradas sem saída.
procurando as intersecções
deixando de lado as ilusões
perscrutando as tentações
por detrás de um sinal
de sentido proibido
que oiço divagar
sobre as constelações,
o rio, a luz, o mar,
o universo e as estrelas,
as quimeras e os cometas,
a conflitual idade dos marretas,
os sonhos das crianças
as senhoras de esperanças
os electrões de valência
e a ebriedade do viver
o som do silêncio
a doçura do bem querer.
... e é assim, e como tal
sento-me a ouvir a “lição”
que se porventura terminar
dar-me-á tempo para recordar
e quem sabe, também ensinar.

vereda

por vezes sento-me e penso
- sim, penso - de verdade.
será que me recompenso
de modo a manter a sanidade?
fico parado, pois com certeza,
ora se estou sentado
numa cadeira, banco ou mesa
ou onde quer que seja o poiso
escolho um qualquer coiso
e desapareço por detrás da contabilidade
em direcção à correspondência
que me rege com divina vontade.
e nas as veredas da ausência
límpida e cristalina
dás-me água, matas-me a sede
com ácido ou estricnina...
e então, vindo com o nevoeiro
o Verão brotou um grelo
a Primavera saiu do roupeiro
o Inverno encheu de gelo
o whisky do Outono garimpeiro...
e para que tudo sentido faça
abro a garrafa e encho a taça
e apanho uma piela fenomenal
acordando numa bela cama...
de um belo hospital!